M. F. – mãe aos 17 anos 

Data do parto: 29/03/1999

Observação: este relato contém violência obstétrica.

Em meio a tanta pressão psicológica e social que vivi há 23 anos quando eu tinha apenas 17 de idade, a grande preocupação com as dores do parto no final de uma gestação plenamente saudável, consumiram meus pensamentos junto com a ansiedade em conhecer minha filha e que eu ainda não fazia ideia do sexo do bebê, devido às condições financeiras atuais e os únicos dois exames de ultrassom que realizei durante toda a gravidez, foram insuficientes para que eu pudesse descobrir.  

Fui para o Hospital (Público) de madrugada com uma cólica forte como eu nunca havia sentido e o médico, um homem desconhecido, informou que eu poderia voltar para casa e aguardar as dores ficarem mais intensas e frequentes. Ele me deu até o horário previsto do parto e acertou em cheio, meio dia foi a hora que ela nasceu.

Depois da madrugada mais longa de minha vida e sem conseguir dormir, voltei às 8h da manhã para o Hospital com cólicas fortes e menos espaçadas e então me encaminharam para a internação. Na época não era permitido nenhum acompanhante com a gestante nem na sala de pré-parto e muito menos na sala de parto, e o meu medo aumentou ainda mais por ter de passar por aquele sofrimento sem alguém próximo a mim. Depois de alguns corredores, acompanhada de uma enfermeira, me colocaram em um leito dentro de uma sala cheia de mulheres grávidas desconhecidas na mesma situação que a minha. Já era quase 9h da manhã e se a previsão do doutor estivesse certa, em 3h estaria com o meu bebê nos braços!

O monitoramento das pacientes que era realizado pelos profissionais de saúde daquele plantão, priorizavam quem eles acreditavam que o parto estaria mais próximo e a única certeza que eu tinha naquele momento, apesar de sentir meu ossos do quadril e da pélvis sendo dilatados por uma forte e violenta dor e pressão, é que eu não era a prioridade de nenhum deles. Pouco mais de uma hora depois, foi quando o meu corpo se rendeu e o meu único reflexo foi gritar de dor, gritar como um pedido de socorro para que aquilo parasse pois não estava mais aguentando.

Me lembro de ouvir algumas mulheres assim como eu chorando de dores e sendo levadas uma a uma como que escolhidas aleatoriamente para o “abate” e uma enfermeira se aproximando de mim com uma feição de ódio me dizendo: “Escuta aqui, você cala essa boca e para de gritar que você está deixando todos aqui com dor de cabeça. Aposto que na hora de fazer você não gritou desse jeito.”

E na minha cabeça eu só podia pensar no medo, nas dores, e na culpa de estar grávida sendo uma menina de 17 anos que importunava uma enfermeira da qual eu dependia para me levar para a sala do parto e me ajudar a acabar com aquela dor insuportável. Faltando 10 minutos para o meio dia, finalmente vieram me buscar. Poderia dizer que foi com um rosto e gesto amigável e uma cadeira de rodas para o transporte pois aquele deveria ser o momento mais feliz na vida de uma mulher, porém, isso não aconteceu.  

Depois do exame de toque, me arrancaram do leito com um puxão pelo braço, e reclamando dos meus gritos de dor (e desespero) fui informada que deveria ir andando até o local que ficava no final do corredor de onde estávamos. E eu fui chorando de dor, puxada pelos pulsos pela enfermeira que praticamente me arrastou dali e a minha outra mão inevitavelmente segurando a região do períneo preocupada que minha filha pudesse nascer ali mesmo, mas felizmente isso não aconteceu.

Quando cheguei na sala de cirurgia, o médico (o mesmo da madrugada que me mandou de volta para casa e guru de horários de parto) estava sentado esperando o meu preparo para que pudesse finalmente realizar o meu parto. Fui recepcionada por ele que já não era para mim uma figura tão desconhecida, pois havia me examinado horas antes quando procurei o Hospital pela primeira vez. Tive um sentimento de tranquilidade quando o vi mas que durou poucos segundos até ele soltar o comentário para a sua colega enfermeira: “ela que é a chorona?”, e a enfermeira responde: “Sim, a escandalosa”. E ainda recebi um sermão de outra enfermeira informando que cada grito de dor que eu dei atrapalhou a respiração do bebê.  

Antes de deitar no leito, mandaram que eu me sentasse e que permanecesse imóvel e aplicaram uma injeção na minha coluna sem nenhuma informação do que se tratava, me senti anestesiada em poucos segundos, me deitaram e o médico me cortou também sem nenhuma informação do procedimento (e que só soube dos 4 pontos que tomei depois de passar o efeito da anestesia quando já estava no leito da enfermaria). Fiz força para “empurrar” o bebê, na quarta vez ela nasceu e o único comentário da enfermeira foi: “pelos gritos não é à toa que está roxa”.

Hostilizada e me sentindo culpada, perguntei com o pouco de entusiasmo que ainda me restava, qual era o sexo e só então me responderam que era uma menina. Fiquei feliz instantaneamente.

Na época eu não entendi muito bem o que foi aquilo, tentei processar na minha cabeça e pensei que todo o ocorrido pudesse ser pelo fato de estar em um serviço público, se aquelas pessoas, aqueles profissionais de saúde (se assim podem ser chamados) estariam trabalhando muitas horas sem descanso e sobrecarregados, por eu ser uma menina de 17 anos sofrendo preconceito pela minha idade, entre outras coisas mas sempre me colocando em uma posição de culpada e tentando justificar aquele maltrato.

Hoje com 40 anos de idade, eu sei que a anestesia rack e a episiotomia (independentemente se foram necessárias, ou não) junto com o tratamento que recebi configuram violência obstétrica e me marcaram muito e provavelmente outras mulheres em situações parecidas, seja naquele Hospital ou em outro lugar. No final deu tudo certo, minha filha nasceu e cresceu saudável e eu também estou bem. Atualmente eu não penso nisso com revolta mas sim com um sentimento de pesar por não ter tido a mínima percepção, informação ou empoderamento naquela época para tomar alguma atitude com a certeza de que aquilo sim, foi errado, anormal, criminoso e que caberia uma denúncia. Denúncia esta que ao meu ver, seria mais que justa com aqueles que praticaram o ato e libertador para mim como mãe, como mulher, como ser humano.

*a imagem utilizada para capa deste relato de parto, é meramente ilustrativa.

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